A FILOSOFIA CAMUSIANA: UMA INTRODUÇÃO

Por Igor Pontes

Partimos de um ponto, de uma constatação evidente de nosso tempo, um machucado, um ferimento que não foi cicatrizado. Somos a soma de nossas memórias, de atos dos nossos ancestrais, dos acordos feitos e desfeitos, das promessas e principalmente de um pacto quebrado, uma dúvida sem solução, uma situação insólita, estranha e em última análise: absurda. O que conhecemos desse mundo tão estranho e alheio? O que iremos levar para o túmulo quando nossa estranha existência findar? Somos essa substância que acumula materiais, que pensa, que mata e mente e que, no último ato, morre. Apesar de todas essas definições sensíveis aos espíritos das gerações passadas e tão bizarras para as novas gerações virtuais do metaverso e das redes sociais, permanece o questionamento: o que é viver ou morrer em um ambiente desses? E o que é principalmente existir?

Os questionamentos feitos até agora têm, como primeiro passo, o nascimento de um homem, no ano de 1913, e vão até a sua morte, em 1960, em um acidente de carro que culminou no seu imediato óbito, deixando uma considerável obra de filosofia e literatura. Este homem é extremamente apaixonado pela vida. Estou falando de Albert Camus. Nascido na Argélia, em Mondovi, desde cedo enfrentou dificuldades financeiras. Seu pai havia falecido na batalha do Marne, em 1914, e Camus foi morar com a mãe no bairro pobre de Belcourt. Tendo que trabalhar e levar algum sustento para casa, percebe que a sua existência, apesar de ser limitada, contém traços de felicidade. É salvo por um professor, Louis Germain, que lhe oferece uma bolsa de estudos, acreditando que o garoto é inteligente demais para ser um trabalhador braçal. Camus estuda, forma-se em Filosofia no Liceu de Argel, recebe a licença de professor, mas não poderá exercer a profissão por ser tuberculoso.

Apesar de não poder lecionar filosofia, continua realizando sua atividade de escritor, jornalista e escreve contos, ensaios e um romance. Sua evolução é notada, e é em solo francês que consegue publicar O Estrangeiro e O Mito de Sísifo. Suas obras com tons existenciais logo irão fazer com que Camus seja anexado por muitos ao existencialismo, título que sempre rejeitou, sendo, inclusive, um grande crítico do existencialismo. A filosofia camusiana trabalhará em um primeiro momento a questão do problema do mal, algo que também foi objeto de estudo e reflexão de muitos outros pensadores, como é o caso de Nietzsche. Depois, o problema do absurdo apresentou-se como necessário devido ao ambiente de extrema negação no qual ele vivia, uma década de 40 que abraçou puramente a irracionalidade e se deixou digladiar em um evento dos mais terríveis da história humana. Diante dessas observações, fazia um imenso sentido que o problema do absurdo e suicídio fossem apresentados ali, mas com o passar do tempo, a negação já não era mais a situação principal, mas sim a afirmação total e a negação do outro.

Essa passagem é uma das marcas do pensamento móvel de Albert Camus, o que chamamos de Ciclos, em que o próprio autor designava uma série de obras de literatura, ensaio e teatro para exemplificar um de seus temas.  Antes de morrer, havia definido qual seria o seu terceiro Ciclo: o do amor. Entre suas perspectivas de análise, estava a questão da passagem do helenismo para o cristianismo, e também na ascensão do niilismo como uma espécie de conduta geral da sociedade europeia. As preocupações da filosofia camusiana estão centradas no papel do homem em relação aos seus anseios e ao mundo, que não tem uma resposta pronta e imediata para estes anseios. Temas como gratuidade, moral, vivência, justiça, solidão, morte e solidariedade serão apenas algumas das perspectivas que Albert Camus irá trabalhar em sua filosofia, e que você verá ao longo dos próximos meses nos textos que irei reproduzir aqui no Acervo Filosófico.

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