APONTAMENTOS SOBRE A RELAÇÃO ENTRE FILOSOFIA E CIÊNCIA

Por Juliana Vannucchi

Para Arthur Schopenhauer, o mundo enquanto representação – sempre submetida ao princípio de razão – é objeto da experiência e da ciência, sendo que o estofo desta última é justamente a maneira pela qual as partes destacadas do mundo se postam diante de nós. Dessa maneira, podemos dizer que a ciência se propõe a encontrar fundamentos, conceitos e respostas, tendo sempre em vista leis, relações, sistemas e conexões existentes na realidade fenomênica e, por isso, seguindo sempre um modo de consideração racional.

Contudo, há um princípio último presente na natureza que é justamente a causa e a significação dos fenômenos, aquilo que faz com que sejam tais como são, e cujo conhecimento é inacessível à deficitária ciência, que não é capaz de penetrar nessa essência íntima das coisas. Esse “X desconhecido”, que é a coisa-em-si, chama-se Vontade e está fora da representação, não se submetendo, portanto, ao princípio de razão e sendo toto genere (isto é, inteira e absolutamente) diferente do fenômeno (ou representação).

Levando em consideração as observações feitas acima, é importante citar que num trecho de sua obra magma, ao abordar as relações e diferenças entre ciência e filosofia, Schopenhauer, referindo-se ao campo científico, faz menção à morfologia, que estuda as formas permanentes e aparentadas, reunidas em famílias ( como a zoologia e a botânica), e à etiologia que, por sua vez, ocupa-se, em suma, da lei de causa e efeito, explanando as mudanças físicas e constatando uma ordem e uma regularidade na matéria, que aparece sempre no espaço e no tempo. No entanto, conforme abordado anteriormente, há algo que se oculta na natureza, isto é, há uma informação capital que não é apreendida nem pela morfologia e tampouco pela etiologia, algo que em última instância, não é explicado pelas ciências, que “não fornecem informação sobre a essência íntima da aparência” e, nesse âmbito, tal essência permanece sendo “um mistério estranho e desconhecido” que as ciências não revelam. Levando em conta esse contexto, Schopenhauer faz uma analogia entre a ciência e a mitologia grega, comparando a ciência com os tantos homens que desejam Penélope, mas cujos esforços são em vão e eles jamais conseguem conquistá-la, uma vez que ela está sempre à espera de seu amado Ulisses.

Portanto, há sempre uma necessidade metafísica que acompanha o homem, ou seja, há uma necessidade contínua de se buscar esse algo que está além dos limites materiais e científicos. É precisamente nesse ponto que a filosofia assume um papel relevante, pois cabe a ela explorar e se ocupar do inexplicável, isto é, daquilo que se encontra para além dos limites do horizonte ao qual chega o ramo científico – ou, além das representações – e refletir sobre qual é o verdadeiro conteúdo do mundo e da vida. Por isso, Schopenhauer (p. 58, 2001) dirá que a ciência considera o mundo em suas partes, enquanto a filosofia, por sua vez, leva em conta a sua totalidade.

Há uma passagem escrita pelo filósofo de Danzig que sintetiza bem essa diferença: ele diz que as ciências determinam o “Como” (forma) das coisas, mas não explica o  “Que” (conteúdo) delas. É precisamente nesse sentido que as “forças mesmas” permanecem como qualitas occulta, pois a coisa-em-si aparece nos fenômenos, mas é absolutamente diferente deles e por isso permanece estranha às ciências. Portanto, não caberá às ciências o conhecimento do núcleo do mundo, uma vez que elas encontram seu limite na representação. Ora, é ao filósofo que cabe investigar justamente o que está adiante. É ele que irá explorar o metafísico, aquilo que confere existência e continuidade ao físico e que, para Arthur Schopenhauer, denomina-se Vontade, sendo que para chegar a essa essência, a filosofia schopenhaueriana não se projeta para fora, como sempre fizeram os grandes pensadores, mas sim para o exame de nosso interior, para os movimentos e ações do corpo, que é “condição de conhecimento da minha vontade”. (SCHOPENHAUER, 2013, p.119). Entenda-se que, portanto, a filosofia e o corpo são, por assim dizer, as chaves que possibilitam o acesso ao que há de mais real, ao que é inexplicável para o campo das ciências.

Referências:

BARBOZA, Jair. Schopenhauer e a Decifração do Enigma do Mundo. São Paulo: Moderna, 1997.

SCHOPENHAUER, Arthur. O mundo como vontade e como representação. Tradução de: Jair Barboza. São Paulo: Unesp, 2013, 2 vols.

________________. Sobre a Vontade na Natureza. Tradução de: Gabriel Valladão Silva. Porto Alegre: L&PM, 2015.

________________. A Metafísica do Belo. Tradução de: Jair Barboza. São Paulo: Unesp, 2001.

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