CONSTATAÇÕES SOBRE O INDIVÍDUO E O PURO SUJEITO DO CONHECIMENTO

Por Juliana Vannucchi

Este texto se propõe a estabelecer uma breve análise comparativa entre os conceitos de indivíduo e puro sujeito do conhecimento, fundamentos de suma importância na totalidade da filosofia schopenhauriana.

O fio condutor desta abordagem é a consideração de que há dois tipos de conhecimento: um é o conhecimento comum das coisas isoladas – ou modo racional de  conhecimento, que temos enquanto indivíduos – e o outro, por sua vez, consiste no conhecimento das Ideias – modo de consideração genial. Inicialmente, discorreremos sobre o primeiro, de acordo com o qual enquanto indivíduos conhecemos apenas coisas isoladas e suas relações, sendo que esse tipo de conhecimento é sempre orientado pelo princípio de razão, cujas formas apriorísticas são o espaço, o tempo e a causalidade, e engloba a pluralidade e mudança. Isso significa que “O indivíduo que conhece, enquanto tal, e a coisa isolada conhecida por ele estão sempre em algum lugar, num dado momento, e são elos na cadeia de causas e efeitos”. (SCHOPENHAUER, 2013, p.207). Esse é o modo de conhecimento comum e científico, que está a serviço da Vontade e conhece apenas os objetos segundo suas relações mediante as condições a priori acima referidas,  lançando-nos sempre numa sucessão contínua de necessidades, tormentos, tédio, paixões, e preocupações.

No entanto, Schopenhauer escreve (2001, p. 45) que, mediante uma mudança prévia no sujeito, ocorrida por ocasião externa ou disposição interna, é possível haver uma transição do conhecimento comum – acima abordado – para o conhecimento genial, que é independente do princípio de razão, no qual se conhecem as Ideias que, entendidas no sentido platônico, podem ser definidas como objetidades imediatas da Vontade, ou arquétipos eternos das coisas que aparecem na natureza como espécies. Essas Ideias são intuídas pelo belo (natural ou artístico) cuja contemplação leva o sujeito a tal estado, fazendo com que ele deixe de ser indivíduo e se torne puro sujeito do conhecimento destituído de Vontade e, portanto, também destituído de interesses, desejos e, consequentemente, de sofrimento, aspecto este que faz com que a arte, portanto, proporcione, ao homem um momento beatífico, neutralizando a dor existencial.

Conforme comenta Jair Barboza (1997, p.63): “O gênio é a faculdade de intuir Ideias. Todos a possuem, em maior ou menor grau. Alguns são mais, outros são menos geniais”.

O filósofo alemão explica que é como se “acessássemos um outro mundo”, no qual razão e a Vontade são banidas do estado estético e, assim, no momento contemplativo, o sujeito não tem consciência de si mesmo enquanto indivíduo, esquece-se de si próprio, não segue mais as relações em conformidade com o princípio de razão, não considera mais o “onde”, “como”, “porquê”, “quando” e “para quê”, pois a consciência não se ocupa mais com conceitos, mas sim com uma contemplação que nos liberta da escravidão do querer e nos acalma e  alivia, afastando-nos da “tempestade das paixões e do ímpeto dos desejos”. (2013, p.228)

Nesse contexto, podemos considerar que tanto pela contemplação da natureza quanto pela arte temos acesso à essência do mundo e é importante mencionar que o conceito de gênio não faz parte exclusivamente do artista, mas essa receptividade genial encontra-se presente em diferentes graus na natureza de todo e qualquer ser humano, uma vez que qualquer indivíduo é capaz de captar e reconhecer o belo (seja na arte ou na natureza). Conforme comenta Jair Barboza (1997, p.63): “O gênio é a faculdade de intuir Ideias. Todos a possuem, em maior ou menor grau. Alguns são mais, outros são menos geniais”. Contudo, o artista é quem possui o grau máximo de genialidade, que consiste num afastamento do estado de conhecimento regido e orientado a serviço da Vontade, e que o levará a um momentâneo abandono e esquecimento de si, de distanciamento das relações de mundo e de sua personalidade, sendo que é justamente esse aspecto que o permite atuar intuitivamente, retratando as formas eternas, permanentes, arquétipas e universais do mundo (que não se encontram na roupagem dos princípios da razão) em suas produções.

Ao longo de sua obra, Arthur Schopenhauer discorre a respeito da arquitetura, da jardinagem, da escultura e pintura de animais, da escultura e pintura humanas, da poesia e, por fim, da música, que ocupa um posto privilegiado em sua filosofia, sendo a mais consagrada dentre todas as artes. Por hora, no entanto, não vamos nos ater a análises desses referidos aspectos de sua filosofia, visto que este breve estudo tem como intenção apenas compartilhar constatações sobre os significados dos conceitos de indivíduo e de puro sujeito do conhecimento.

Referências bibliográficas:

BARBOZA, Jair. Schopenhauer e a Decifração do Enigma do Mundo. São Paulo: Moderna, 1997.

SCHOPENHAUER, Arthur. O mundo como vontade e como representação. Tradução de: Jair Barboza. São Paulo: Unesp, 2013, 2 vols.

________________. Sobre a Vontade na Natureza. Tradução de: Gabriel Valladão Silva. Porto Alegre: L&PM, 2015.

________________. As Dores do Mundo.  Tradução de: José Souza de Oliveira. São Paulo:  EDIPRO, 2014.

________________. A Metafísica do Belo. Tradução de: Jair Barboza. São Paulo: Unesp, 2001.

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